No sistema de saúde de vários países, dentre eles os mais desenvolvidos do mundo, existe forte tendência de investimento na consolidação da atenção primária de saúde.
A reestruturação do modelo de saúde, com ênfase na atenção primária, busca como principal resultado encontrar a fórmula para o acesso aos serviços de saúde a todos os cidadãos e para alcançar um nível de assistência sem as barreiras impostas costumeiramente pelas desigualdades sociais.
A Atenção Primária à Saúde (APS), no mundo, resumidamente, propõe uma assistência dirigida à população de uma determinada região, de forma regular e organizada, por meio de proposições e experiências que ofereçam ações preventivas e curativas, atendendo indivíduos e comunidades.
No Brasil, a APS é designada como Atenção Básica à Saúde (ABS) e incorpora os princípios da Reforma Sanitária, reforçando a adoção de um modelo assistencial universal e integrado de atenção à saúde.
A Atenção Primária é um conceito que surge pela primeira vez, em 1920, por meio de um relatório do governo inglês, preocupado com o alto custo da atenção médica e a baixa resolutividade. O relatório se contrapôs ao modelo biomédico vigente à época, proposto por Flexner, o modelo flexineriano americano. Tal modelo, ainda vincula o ensino nos cursos de saúde e nega a saúde pública, a saúde mental e as ciências sociais.
A preocupação econômica dos países desenvolvidos, em pesquisar novas formas de organização sustentável da atenção à saúde, não era compartilhada pelos países pobres e em desenvolvimento, cujas populações, carentes de condições sociais, econômicas e sanitárias, padeciam com a falta de acesso aos cuidados básicos e experimentavam alta taxa de mortalidade infantil.
A Declaração de Alma-Ata, datada de 1978, como foi chamado o pacto assinado entre 134 países, defendeu os cuidados primários de saúde, nos seguintes termos:
“Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e autodeterminação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde. (Opas/OMS, 1978)”
Os propósitos de Alma-Ata, que conceberam os cuidados básicos de saúde como um direito humano, também propunham a redução de gastos com armamentos, aumento de investimentos em políticas sociais e produção e fornecimento de medicamentos, nunca foram totalmente implementados.
O Brasil empreendeu várias tentativas para criar os meios de implantar uma efetiva Atenção Primária, mas somente quando essas ações foram somadas à constituição do SUS foi possível uma revisão do modelo assistencial.
Atualmente, a principal estratégia de configuração da ABS no Brasil é a saúde da família que tem recebido importantes incentivos financeiros visando à ampliação da cobertura populacional e à reorganização da atenção.
A Inglaterra, país que desde 1948 possui um sistema público de saúde universal que serve de modelo para o mundo (o National Health Service – NHS), mostra que o caminho não é retirar o dinheiro da atenção primária à saúde (APS) para aplicar em serviços hospitalares ou de emergência.
O investimento na Atenção Primária pode contribuir para redução de cerca de 5% do total de internações, segundo levantamento da UNIDAS (União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde). Pelo menos 5,2% de todas as internações ocorridas no sistema de saúde foram classificadas como evitáveis (Pesquisa UNIDAS – 2018). Em número absolutos, esse total é de mais de 20 mil internações que representam o montante financeiro de quase R$ 400 milhões (ano). A redução de internações importa em redução de gastos e uma vida com mais qualidade ao beneficiário. Acompanhar o paciente de maneira sistemática, propondo a prevenção de doenças por meio de atividades e ações, pode evitar exames e internações desnecessárias, em especial dos mais idosos.
Dados epidemiológicos, extraídos de estudos da revisão sistemática da literatura sobre o risco de internação associadas por condições sensíveis à Atenção Primária (1), dão conta de que a ampliação do acesso ao sistema de saúde apontam para a diminuição de internações por condições sensíveis à APS. Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP) são problemas de saúde evitáveis atendidos por ações típicas do primeiro nível de atenção e cuja evolução, na falta de atenção oportuna e efetiva, pode exigir a hospitalização, como pneumonias bacterianas, complicações da diabete e da hipertensão, asma, entre outros. Tais hospitalizações servem de instrumento para a avaliação e monitoramento da efetividade desse nível do sistema de saúde.
(1) por Fúlvio Borges NedelI; Luiz Augusto FacchiniII; Miguel MartínIII; Albert NavarroIII – ICurso de Medicina, Universidade de Santa Cruz do Sul , Santa Cruz do Sul-RS, Brasil. Grups de Recerca d’Amèrica i Àfrica Llatines, Unitat de Bioestadística, Facultat de Medicina, Universitat Autònoma de Barcelona (GRAAL-UAB), Barcelona, Espanha
IIPrograma de Pós-Graduação em Epidemiologia, Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil
IIIGrups de Recerca d’Amèrica i Àfrica Llatines, Unitat de Bioestadística, Facultat de Medicina, Universitat Autònoma de Barcelona (GRAAL-UAB), Barcelona, Espanha
Um comentário
Antonio Castro
Excelente. Precisamos colocar em prática essas premissas aqui relatadas.